Em Borges oral (1979) e Sete noites (1980) se acham escritas palavras que brotaram da boca de um narrador cego, que falava como um sabio sibilino e ironico a auditorios do mundo todo. Sempre modesto, mas sem deixar de aludir a modelos gloriosos Socrates, Pitagoras, Cristo, Buda e a outros mais proximos, como Macedonio Fernandez, Borges (1899-1986) apresentava-se, na ultima etapa de sua vida, como um grande mestre da oralidade.
A principio timido e reservado, a ponto de se ocultar em meio a plateia e pedir a um amigo para ler a conferencia que redigira, com os anos e a progressiva cegueira, o escritor argentino tornou-se um narrador oral, como se quisesse dissolver-se na tradicao epica dos narradores anonimos. A tradicao daqueles cuja arte havia procurado imitar na prosa de seus relatos, em parte derivados dos livros que aprendera a amar desde menino na biblioteca do pai, mas muitas vezes tambem inspirados pelas historias de valentoes de arrabalde nos arredores de sua casa no velho bairro de Palermo, numa Buenos Aires mitica do comeco do seculo XX. Embora aparentemente abstratos e intelectuais, os temas de suas conferencias sao tratados num recorte concreto, a que servem exemplos precisos, sempre manipulados com perfeicao pelo refinado contador de casos, que nao perde uma deixa para uma frase de humor e se orienta em meio as dificuldades do assunto pela forca da memoria e da imaginacao. Por isso mesmo, num dos textos mais bonitos reunidos neste volume, entre tantas reflexoes pessoais sobre motivos enciclopedicos, e o livro que se destaca como o instrumento mais assombroso inventado pelo homem.