Muito diferente da imagem que a maior parte dos brasileiros tem da regiao, o Nordeste, de Gilberto Freyre, e uma terra de fartura, de aguas abundantes, "onde nunca deixa de haver/ uma mancha d'agua:/ um avanco de mar, um rio, um riacho,/ o esverdeado de uma lagoa", como no poema de Carlos Pena Filho. Classificado pelo autor como "tentativa de ensaio ecologico", o livro retrata aquela regiao agraria do Nordeste que, segundo Freyre, "foi, por algum tempo, o centro da civilizacao brasileira". O outro Nordeste, mais conhecido pelos brasileiros, foi estudado por um outro escritor, Djacir Menezes. O Nordeste de Gilberto Freyre e o da regiao da monocultura da cana, sustentada pelo braco escravo, dos grandes senhores de engenho, patriarcais, de voz aspera, cujos gritos faziam tremer criancas e mulheres, mandoes, ligados a terra, aos bichos, a vegetacao, "o tipo mais puro de aristocrata brasileiro". Uma aristocracia quase feudal, de habitos requintados, que sabia recepcionar, lia livros e revistas, cultivava a musica em pianos. Cada propriedade era um mundo a parte, auto-suficiente, dirigido pelo pater-familias, como um pequeno imperio. Ali, modelada pela cana-de-acucar, surgiu uma civilizacao original, habitos muito peculiares, uma cozinha riquissima em doces e comidas acucaradas, que levavam ao delirio as sinhas e os meninos, luxo nos trajes, excesso de joias nas mulheres, uma atividade sexual desregrada, que os molecotes exibiam, escandalizando os moralistas. Quando de sua publicacao, Nordeste foi considerado uma novidade na obra de Gilberto Freyre, um livro eminentemente geografico, mais simples e despojado do que as obras anteriores. O estilo, de "sabor sensual, denso, oloroso" (Manuel Bandeira) continuava o mesmo, assim como a arte de narrar do autor, com alguma coisa de romancista.