Prezados/as Leitores,
Os ensaios reunidos nas três seções do segundo volume deste livro: Rousseau, Kant e Diálogos representam uma expressiva ideia de algumas das importantes conferências proferidas durante os três Congressos realizados na Universidade Federal do Maranhão em 2022, centrados em um mesmo evento, II CONGRESSO INTERNACIONAL ROUSSEAU X KANT – UFMA, IV CONGRESSO NACIONAL JEAN-JACQUES ROUSSEAU – UFMA e II CONGRESSO KANT – UFMA, com subtítulo: Razão e Sensibilidade. O Evento Rousseau – Kant UFMA 2022, enquanto um evento da área Interdisciplinar, teve por objetivo, promover no Maranhão, a integração dos vários orientandos da iniciação científica, da Graduação e da Pós-Graduação, bem como de pesquisadores da comunidade acadêmica do país e do estrangeiro, cujas pesquisas se relacionam à obra do pensador genebrino Jean-Jacques Rousseau e do pensador prussiano Immanuel Kant. Tal evento, pretende abarcar a diversidade de trabalhos e reflexões desenvolvidas atualmente acerca da filosofia de Rousseau e de Kant e suas implicações com as ciências humanas, ciências sociais e sociais aplicadas, na perspectiva em que insira a Universidade Federal do Maranhão no debate internacional e nacional sobre os temas estudados acerca destes filósofos.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo iluminista, de grande envergadura, muitas vezes restrito ao escaninho da política, é observado na atualidade como o precursor de diversas questões, estando inclusive no cânone da história da filosofia. Renovador capital dos problemas da ontologia, epistemologia, ética, além de uma concepção inovadora da linguagem, que segundo a crítica especializada, unifica a obra do filósofo da Ilustração. Aliás, o porte da obra desse filósofo se dá, sobretudo pelo fato de ser desenvolvida “uma ideia de linguagem absolutamente original, e em tudo estranha àquilo
que seus pares iluministas e outros filósofos até então haviam pensado.” Nesse sentido, Rousseau recoloca a política no cerne da linguagem, e isso é uma resposta interessante a um problema específico dos séculos XX e XXI.
Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss, Rousseau é um crítico do cogito cartesiano, e fundador das ciências humanas. Ao contrário de Descartes, que procura fundamentar toda ciência na certeza da existência do “eu”, Rousseau, segundo Lévi-Strauss, questiona essa centralidade do “eu”, percebendo, antes de diversos outros pensadores, que o “eu” é determinado desde um “outro”, desde o lado de fora, e que não existe sem essas determinações. Mas, além disso, há uma articulação da filosofia ilustrada de Rousseau, a partir da razão e da sensibilidade com a estética, passando pela literatura, música, teatro, religião, festa, romance, escritos autobiográficos, educação e política em seu pensamento, podendo se encontrar uma chave de leitura de problemas fundamentais da sociedade contemporânea.
Immanuel Kant (1724-1804), sem dúvida, através da sua filosofia crítica, representa um marco no pensamento moderno do séc. XVIII, uma filosofia que se apresenta como sistema, portanto, com pretensões a pensar a razão e a sensibilidade em sua totalidade, isto é, tanto do ponto de vista teórico, quanto prático. Quanto especificamente a sua filosofia prática cabe assinalar que esta não apenas se pretende como uma compreensão acerca da sociedade civil, da vida civilizada, da política, da moralidade, da religião, enfim do homem, mas de como todos esses aspectos ligados a vida humana podem ser melhorados através da filosofia e da educação, e, de um modo geral, através da ação do homem no mundo, isto é, da ação autônoma, livre, sendo esse melhoramento uma espécie de dever e de telos e, portanto, de compromisso que devemos ter para com as gerações vindouras. Poderíamos dizer que Kant entendia e defendia como nossa, a obrigação de fazer do mundo um lugar melhor para a espécie humana e isso viria também do desenvolvimento da técnica e da ciência, mas de modo algum se confinaria a este. Em outras palavras, não seria possível na visão kantiana melhorar o mundo sem melhorar o homem; logo, só os benefícios produzidos por um mundo técnico-científico, que equivaleria aos benefícios de um mundo civilizado, entendido como fim, ao invés de como meio, estaria longe de promover seres humanos livres, justos, dignos e comprometidos com a espécie.
São questões como essas, fomentadas quer pelo pensamento de Rousseau, quer pelo de Kant, a partir da razão e da sensibilidade que fortalecem a convicção de que podemos insistir na leitura e discussão dos textos de tais pensadores na contemporaneidade. Nesse sentido, os eventos dos Congressos Rousseau Kant vêm contribuindo ao longo desses anos, e sempre contando com o apoio da FAPEMA, para o aperfeiçoamento e fundamentação de discussões científicas, formação humana em relação à
educação no estado do Maranhão e inserindo a UFMA em grandes debates nacionais e internacionais acerca dos referidos filósofos.
Assim, a relevância dos Congressos Rousseau-Kant, além da difusão e transferência do conhecimento, tem o comprometimento da publicização e divulgação dos resultados dos Gepis Rousseau e Kant, por meio de artigos científicos, promovendo um intercâmbio de conhecimento entre os grupos de pesquisas acerca de Rousseau e Kant no Brasil e no exterior, no qual, o grande objetivo é incentivar o Potencial Criativo, principalmente dos pesquisadores maranhenses, a fim de desenvolver o capital humano, capacitando a comunidade para o desenvolvimento de pesquisas filosóficas e interdisciplinares, algo que é possibilitado pelos congressos, por meio de ações de intercâmbio dos pesquisadores da iniciação científica, da graduação, da Pós-Graduação, bem como pesquisadores da comunidade acadêmica cujas pesquisas se relacionem às obras dos pensadores.
Nessa perspectiva, três eventos em um, apresentando as principais discussões teóricas e conceituais, e, proporcionando um diálogo entre estes dois monumentos da filosofia moderna é sempre possível, pertinente e instigador de questões que ainda são objeto das nossas demandas contemporâneas.
Portanto, a importância da exposição de um evento desse suporte à comunidade, de discussões fundamentais, de insistências nas leituras e debates dos textos desses pensadores em três grandes eventos em um, tanto por meio de suas obras, quanto por meio de inúmeros e ricos diálogos travados com uma infinidade de autores de diversas áreas do conhecimento, coloca a Universidade Federal do Maranhão no centro dos debates mais atualizados e fundamentados acerca do filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau e do filósofo prussiano Immanuel Kant, tanto nacionalmente quanto em nível internacional.
Este grandioso evento foi uma iniciativa do GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA INTERDISCIPLINAR JEAN-JACQUES ROUSSEAU – UFMA (GEPI ROUSSEAU) e do GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA INTERDISCIPLINAR KANT – UFMA (GEPI KANT), ambos cadastrados no Diretório do CNPq e coordenados respectivamente pelo Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha e pela Profa. Dra. Zilmara de Jesus Viana de Carvalho. Os dois Grupos são filiados ao NEPI - Núcleo de Estudos do Pensamento Iluminista.
Na primeira seção, constam dezessete ensaios que tratam mais especificamente de aspectos do pensamento de Rousseau. Luciano da Silva Façanha abre o volume, oferecendo uma interpretação intitulada Da recusa das fábulas ao consentimento da linguagem das coisas de Robson Crusoé: confirmação da aceitação da narrativa romanesca por Rousseau, aponta que uma das figuras mais ilustres das Belas-Letras emitiu um pronunciamento que provocou um longo suspiro em pleno século da Ilustração: “Detesto livros;
só ensinam a falar do que não se sabe.” Escreveria Rousseau, por seu preceptor Jean-Jacques, no livro III do Emílio, um livro que trata sobre a educação, essa surpreendente confissão. Emílio não deverá aprender nada de cor, nem mesmo as fábulas, pois esses livros, que são recomendados às crianças, têm o objetivo de promover um efeito moral, como as famosas Fábulas de La Fontaine. Deixa claro que as fábulas são prejudiciais às crianças, que devem ter acesso à verdade límpida, mas elas servirão de instrução aos homens, ou seja, para um outro tempo. Contudo, o livro que Emílio deverá ler reunirá várias lições, além de ser acompanhado de interesse e, principalmente, estímulo suficiente para a criança. O estudante ideal de Rousseau deverá aprender a julgar corretamente, mediante a sua própria identificação com Robinson Crusoé. Este é o livro destinado ao Emílio, um romance, despojado de toda a sua miscelânea. Em O eu como um outro/outra, Maria Constança Peres Pissarra trata da peça Narciso ou amante de si mesmo, de Jean-Jacques Rousseau, retoma o mito da Antiguidade relatado por Ovídio nas Metamorfoses. Entretanto, esse relato na forma de comédia, é uma variante do mito: no original, Narciso se reconhece na imagem refletida na água; no texto rousseauniano, Valère é desmascarado. Em ambos os relatos, os opostos se complementam, buscam o outro como forma de se conhecer, buscam-se em uma imagem que permanece em si mesmo e que permanece no outro. O personagem fictício de Rousseau, esse Narciso/Valère encantado consigo próprio, só se reconhece em um outro que é feminino, é pela ação feminina que ele sabe quem é, em um jogo de travestimento. Jacira de Freitas, apresenta Os princípios da música em Rousseau, onde trata das discussões musicais, no século XVIII, e sobretudo, o embate pela renovação do gosto musical que fazem parte das propostas utilizadas pelos philosophes contra a ideologia do Antigo Regime. São explicadas as razões das teorias musicais rousseaunianas na teoria da linguagem exposta no Ensaio sobre a Origem das Línguas e nas análises dos conceitos de acento e energia. A discussão aqui proposta parte dos debates musicais da época, acirrados pela querela dos bufões, para determinar os princípios que estão na origem das concepções musicais de Rousseau presentes no referido Ensaio e na Carta sobre a Música Francesa para determinar os princípios que estão na origem das concepções musicais do filósofo genebrino. Em Amor próprio e intencionalidade compartilhada, Claudio A. Reis sugere que o amor-próprio deve ser compreendido em conexão com algo anterior e mais fundamental: a capacidade de compartilhar intenções. Argumentamos que o segundo Discurso poderia ser mais frutiferamente lido, para além de seu formato como uma narrativa hipotética, como o cotejo de dois “modelos de ser humano” – o “homem natural” e o “homem social”. Argumentamos que o segundo Discurso poderia ser mais frutiferamente lido, para além de seu
formato como uma narrativa hipotética, como o cotejo de dois “modelos de ser humano” – o “homem natural” e o “homem social”. Rousseau, no segundo Discurso, exagera os aspectos negativos do amor-próprio. Entender o amor-próprio em conexão com uma capacidade de intencionalidade compartilhada ajuda a vê-lo em seus aspectos positivos e como uma condição necessária para compreendermos a vida social tipicamente humana. Para tanto, é importante ampliar a interpretação do amor-próprio para além do segundo Discurso e considerar também as reflexões sobre as condições da socialidade propostas no Emílio. Já Pedro Paulo Coroa, analisa sentimento e razão na enunciação da ética em Rousseau, pontuando que entre os lugares-comuns problemáticos na filosofia de Rousseau, uma de suas aporias mais importantes, há a dificuldade para o entendimento do registro intelectual do “sentimento moral”, dada a clara distinção, reforçada pelo próprio filósofo entre a sensibilidade e a razão. Em uma inversão crítica das tendências intelectualistas do século XVIII, Rousseau, sistematicamente, faz uma apologia dos sentidos e dos sentimentos. Para ele, os sentidos não são uma barreira ao uso independente da razão, afinal eles são constitutivos da nossa natureza e definem funções inatas indispensáveis à nossa existência. Concentrando-se na temática sobre a vontade geral em Rousseau, Marisa Alves Vento aborda a Síntese crítica das interpretações da vontade geral em Rousseau, pretendendo mostrar o quanto essa noção crucial na teoria política de Rousseau é fecunda. À luz dessas diferentes leituras e sem ignorar ou negligenciar os aspectos importantes concernentes a cada uma delas, propõe-se um desvio, em alguma medida, tanto da tradição de interpretes que sobrepõem, sem mais, vontade geral e razão, assim como daqueles que colocam a vontade geral numa esfera de transcendência, supondo-a exterior ao indivíduo. O trajeto apresentado conduz à hipótese de que no cerne da elaboração da vontade geral é possível notar o seu enraizamento na própria identidade do indivíduo, a partir do princípio do amour de soi. Ou melhor dizendo, parece, de fato, ocorrer a reconstrução de uma identidade individual a partir da relação a uma única transcendência – o bem comum – no qual o indivíduo reconhece o seu próprio bem. Na linha da educação, Wilson Alves de Paiva, aborda a temática Emílio e Emília: Ou Razão e Sensibilidade na pauta das conversações, apresentando o livro Emílio ou da educação, escrito pelo filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) como não sendo a única obra a refletir sobre os processos educativos no século XVIII. Outros trabalhos, como o Traité des études de Charles Rollin, também fizeram muito sucesso e eram discutidos nos salões literários com muito entusiasmo. Uma das obras que mais chamam a atenção é o romance Les conversations d’Émilie, escrito por Louise d’Épinay (1726-1783). A obra foi premiada pela Academia Francesa em 1783 e trata-se, com
o próprio título indica, das conversações empreendias por uma mãe com sua filha, chamada propositadamente de Emília, sobre sua formação intelectual. Madame d’Épinay estava bastante impregnada da doutrina de Rousseau para fugir dela e, além disso, o próprio Rousseau havido lido o original da amiga autora e aprovado seu texto. Contudo, a originalidade de Rousseau está exatamente na capacidade, deferente de todos os outros, de unir a razão e a sensibilidade num só projeto de formação humana. Rafael de Araújo e Viana Leite, objetiva traçar um quadro da polêmica interpretativa em torno da Carta a d’Alembert, de Jean-Jacques Rousseau, publicada em 1758, em Notas sobre a polêmica interpretativa em torno da Carta a D’alembert. Tomando para análise Introduções e artigos, busca-se explicitar o trajeto oscilante da literatura secundária consagrada à obra. Longe de ser um texto responsável por marcar o caráter contraditório do perfil filosófico de Rousseau temos na obra investigada aspectos políticos e estéticos importantes que a colocam em um registro teórico próximo do Discurso sobre as ciências e as artes, de 1750, assim como do Discurso sobre a desigualdade, de 1755. Em Corpo e Educação, em J.-J. Rousseau, Israel Alexandria Costa, observa que o corpo é assunto recorrente nos escritos de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), destacadamente no Émile ou de l›Éducation, o tratado político-pedagógico em forma de romance que narra como foram os primeiros vinte e cinco anos da vida de um rico órfão adotado por um preceptor capacitado ao ensino da moralidade negativa, ou seja, da formação ética de um homem exposto a todos os acidentes da vida humana. Um dos focos de atenção dessa pedagogia consiste em evitar as deformações que as instituições sociais operam sobre o que se pode chamar de corpo humano bem ordenado enquanto constituição física moldada pela natureza. Desse modo, o modelo de corpo a ser preservado no Emílio é o do homem natural, cuja descrição aparece no Discours sur l’origine de l’inégalité, no passo que trata da conjectura do primitivo habitante do estado de natureza: um corpo despojado de dons sobrenaturais e de faculdades artificiais que o homem só poderia adquirir por meio de progressos muito longos; corpo moldado pelas mãos da natureza cuja imagem é a de um animal menos forte do que uns, menos ágil do que outros, mas, em conjunto, organizado de modo mais vantajoso do que todos os demais. Baseado na estética rousseauniana, Helderson Mariani Pires, observa as ideias que o philosophe Rousseau apresentou no seu Primeiro discurso – O Discurso sobre as Ciências e as Artes – foram as mesmas que sempre estiveram presentes no seu pensamento artístico. Dessa forma, Senti, antes de pensar. Do estado natural à estética: as ideias do artista Rousseau, o autor traz as ideias a respeito das artes, da música e do teatro francês que causaram polêmicas no auge do Século das
Luzes. Rousseau, que já era conhecido como compositor e dramaturgo, parecia contradizer, com seu Primeiro Discurso, sua prática artística anterior. Contudo, ele só a reforçava quando ousava discutir neste escrito aquilo que normalmente não se discutia, não se colocava em dúvida e que era o orgulho do Iluminismo: o poder e a eficácia do conhecimento humano, bem como das artes. Para Rousseau, o que se vê nas ciências e nas artes são guirlandas de flores que escondem cadeias de ferros, nas quais os homens são esmagados, isto é, vê-se a aparência da beleza, mas ela esconde em si mesma o mal que destrói a imagem original do homem. Para Rousseau, o parecer e o mal são a mesma coisa. Sobre a sensibilidade em Jean-Jacques Rousseau, os autores, Maria do Socorro Gonçalves da Costa, Genildo Ferreira da Silva e Luciano da Silva Façanha, abordam a questão da sensibilidade em Jean-Jacques Rousseau, a partir daquilo que o filósofo estabelece no Livro Dois do Emílio ou Da Educação, obra de 1762. Há, em Rousseau, uma evolução naquilo que diz respeito ao desenvolvimento dos órgãos dos sentidos da criança atrelada ao aprimoramento de cada sentido (audição, tato, visão, paladar e olfato), uma vez que eles são os responsáveis por dá a ela o senso de autonomia, aprendizado, independência. Destacando que a posição de Rousseau sobre a sensibilidade, principalmente com relação à idade da natureza sofreu influências de Montaigne, Locke e Condillac, de maneira que ele fará um verdadeiro compendio relativo aos sentidos que, juntos ou separados irão fomentar não apenas a educação da sensibilidade, mas o desenvolvimento da razão sensitiva. Já Manoel Jarbas Vasconcelos Carvalho, em Os percursos das vontades na antropologia de J.-J. Rousseau, intenciona investigar como, na antropologia rousseauniana, as vontades humanas se metamorfoseiam ao longo do tempo. A ideia que concorre em paralelo a este objetivo é entender como ocorre a transformação gradual da subjetividade humana ao longo de sua história. Para isso, é importante entendermos as intersecções entre o cotidiano remoto e a macro história de nossa espécie. Faremos isso, com e através de J.-J. Rousseau e de seu Segundo discurso (1755). Para tanto, dividimos nossa pesquisa em três partes: um estudo do homem natural; um estudo do homem da natureza; e, finalmente, um estudo do homem social. E, como grande novidade das temáticas abordadas, apresentamos um trecho do texto que recebeu o prêmio FAPEMA de melhor dissertação de mestrado de 2022, O espaço do feminino na sociedade e na literatura francesa do século XVIII pré-revolução, de Francyhélia Benedita Mendes Sousa, Luciano da Silva Façanha e Ana Caroline Amorim Oliveira, em que objetiva analisar a relação interdisciplinar entre Filosofia, Gênero e Literatura no século XVIII, especialmente, a partir do lugar determinado às mulheres nesse período, quais espaços por elas eram ocupados na sociedade burguesa e na literatura francesa pré-revolução, bem
como qual lugar a mulher aristocrata desejava ocupar no século XVIII. Constatamos que apesar do “espírito científico e revolucionário” emanado da Ilustração, salvo raras exceções, apenas os homens de letras tinham efetiva participação nos círculos letrados franceses. As mulheres eram limitadas ao espaço privado e doméstico. Contudo, apesar do privilégio social e discursivo dos homens, é possível encontrar outras formas de manifestação do feminino no século XVIII pré-Revolução. Já a leitura de Relações entre propriedade e igualdade em Rousseau, de Ivanor Luiz Guarnieri, começa por questionar se seria possível conciliar a igualdade entre os homens e a existência da propriedade privada. Essa questão é analisada na filosofia de Jean-Jacques Rousseau que defende a igualdade, tanto no sentido moral quanto político, mas, por outro lado, também defende a propriedade privada. Se considerarmos o princípio de que a propriedade torna os homens desiguais, pois ou se é proprietário ou se é não proprietário, como a propriedade pode estar de acordo com a concepção de igualdade em Rousseau? Contudo, no contexto das obras de Rousseau, há que se considerar, aqui, dois aspectos: o político e o moral. O aspecto político diz respeito à legitimidade da propriedade, e o aspecto moral dizer respeito à Educação. Nesse sentido, como o conceito de propriedade legítima seria ensinável? Portanto, essas questões que conduzem a abordagem são tomadas, nesse texto, num duplo aspecto: Político e Educacional. Sobre as obras de caráter memorialístico no filósofo genebrino, Ariane Santos Ribeiro Melonio, Danielton Campos Melonio e Nertan Dias Silva Maia, em A linguagem sensível em Rousseau nas Autobiografias, objetiva apresentar a forma expressiva sensível de linguagem abordada por Rousseau em seus escritos autobiográficos, mais especificamente Confissões e Meu Retrato. Para realizar esta tarefa, o artigo está dividido em quatro momentos. No primeiro situa-se o problema da escrita sensível no bojo da obra do genebrino. Em seguida, caracteriza-se o estilo dos escritos autobiográficos, destacando a produção de Rousseau nesse estilo. No terceiro momento, expõe-se, brevemente, certos motivos que levaram o filósofo a escrever autobiografias. No momento seguinte apresenta-se algumas passagens, em especial dos referidos textos, com intuito de ilustrar a forma expressiva sensível usada por Rousseau em seus escritos autobiográficos. Priscila de Oliveira Silva, Luciano da Silva Façanha, Lussandra Barbosa de Carvalho e Marcia Manir Miguel Feitosa, em Rousseau e uma introdução aos estudos botânicos, investigam o lugar dos estudos botânicos na obra de Rousseau. Sinalizam Os devaneios do caminhante solitário a fundamentação do genebrino acerca de seu encantamento para com os estudos botânicos: tais estudos são um refúgio do autor da vida social e seus vícios, mergulhada na luta pelo reconhecimento. Rousseau também compara os estudos das plantas com a própria filosofia: esta
última, aliada à reflexão constante sobre as coisas, torna-se um peso, enquanto que o contato com as plantas se dá de forma imediata, sem necessidade de reflexão continuada. Nesse sentido, o estudo e o contato com a natureza é uma forma de tentar religar uma humanidade decaída ao seu estado natural, pois encontra-se contaminada pelas disputas sociais, pela vaidade, ambição. Assim, o estudo da Botânica deve ter, como ponto de partida primordial, a pura curiosidade desinteressada. Isso quer dizer que, mais uma vez, os interesses pessoais e os objetivos de ganhos devem ser colocados de lado. Os interesses pessoais não podem se sobrepor ao puro interesse dos fenômenos em si mesmos. E como último texto dessa seção, Notas sobre a uniformidade dos costumes em Rousseau, Breno Zen e Mateus Salvadori apontam críticas contundentes que Rousseau desenvolve no Discurso sobre as ciências e as artes, pois, a “uniformidade vil e enganosa” que acompanha o cidadão moderno em suas ações; o autor identifica, na difusão social da polidez, do desejo pelo luxo e das regras de etiqueta, um atrelamento extremo aos interesses individuais; isto é, o compromisso com o bem comum estaria cada vez mais distante da prioridade dos homens socializados: torna-se mais importante agradar do que falar a verdade, e ser bem estimado em vez de ser virtuoso. Destacam também que o autor desenvolve outra perspectiva para esta questão em seu Contrato social, onde faz uma análise distinta sobre a sociedade e seus potenciais de redenção; neste contexto, a uniformidade dos costumes tende a caracterizar uma pátria, que partilha dos mesmos objetivos; trata-se de uma abordagem radicalmente distinta, que considera a vontade geral como objeto primário do corpo político. Assim, a uniformidade dos costumes passa a ser considerada como um fim legítimo, pois neste contexto ela não representa fins individuais, mas comunitários: a constituição de um laço social presume que os indivíduos devam compor um interesse comum, este, por sua vez, tendendo à igualdade e ao bem comum. Este estágio exige algumas condições, como a alienação da propriedade e a equidade de poderes, ou seja, além de toda propriedade pertencer ao Estado, todo cidadão também deve ser legislador do mesmo; somente por meio destas circunstâncias o corpo político poderá ser constituído, e a uniformidade dos costumes tenderá aos interesses coletivos, e não aos individuais.
Na segunda seção, são seis estudos que abordam aspectos do pensamento de Kant. Francisco Jozivan Guedes de Lima, inicia com o tema O conceito de direito em Kant e a sua fundamentação moral, onde aborda o conceito de direito em Kant e a sua fundamentação moral. O direito é conceituado como as condições através das quais é possível a harmonização dos arbítrios. A sua função consiste em regular a convivência entre as pessoas
e a sua base é a liberdade. A coação só é legítima se for para garantir a liberdade. A liberdade é um conceito moral da razão pura prática. Ela é o único direito inato que o ser humano tem devido à sua humanidade. Diferentemente do positivismo jurídico, Kant defende que o direito não subsiste por si, mas tem sua fonte moral na liberdade. A moral, por meio da liberdade, é o cérebro do direito; ela fornece os princípios imutáveis do direito. Há, nesse sentido, uma fundamentação moral do jurídico em Kant. Em Uma visão de mundo moderna: o legado do pensamento kantiano sobre educação, Márcio Santos de Santana realiza uma reflexão sobre o legado de Immanuel Kant para o Tempo Presente no campo educacional, no qual as instituições educacionais têm sido responsabilizadas, tanto pelos agentes do Estado quanto pelos da sociedade civil, pela formação cidadã e profissional – a dita escola para a vida. Parte do postulado arendtiano de que, no transcurso temporal, o protagonismo oscilou entre as duas modalidades de ideal de vida, prevalecendo ora a vita contemplativa, ora a vita activa. É norteado pelo seguinte problema: Kant expressaria uma visão de mundo moderna, ao promover o rearranjo entre os dois ideais de vida antagônicos? Desenvolvo a hipótese de trabalho no sentido positivo, isto é, o pensamento kantiano sobre educação realizaria tal rearranjo ao afirmar sua proposição de educar “segundo um estado melhor, possível no futuro”. O método analítico-interpretativo é adotado para enfrentar o questionamento, sendo essencialmente direcionado a dois objetivos basilares: em um primeiro momento, a análise individualizada, mediante a sua desmontagem linguística; posteriormente, a interpretação dos elementos em novas bases. Por seu turno, Bruno Camilo de Oliveira escreve sobre Analogias do conhecimento, em que objetiva considerar o significado da expressão “analogias da experiência” segundo a teoria da percepção e do conhecimento de Kant, exposta na “Analítica dos princípios”, em sua obra Crítica da razão pura, para refletir sobre a construção do conhecimento científico sobre a realidade objetiva. O método consiste em realizar uma análise conceitual de trechos selecionados da Crítica da razão pura que possam servir para sustentar a interpretação de que as analogias da experiência são, para Kant, regras que determinam as ligações necessárias entre as percepções e a capacidade de compreensão dos fenômenos a partir delas. Busca-se, dessa forma, explicitar a divergência entre o conhecimento puro e o conhecimento empírico, bem como o modo como a física consegue manter seus conceitos a priori. As afecções e paixões segundo Kant: uma exposição popular, é tratada por Danielton Campos Melonio, Ariane Santos Ribeiro Melonio e Nertan Dias Silva Maia em que apresentam a abordagem feita por Kant na Antropologia de um ponto de vista pragmático sobre as afecções e as paixões, permitindo-nos, dessa maneira, evidenciar o exemplo de um texto kantiano redigido
e apresentado por meio de uma exposição popular, que se caracteriza por uma redação cheia de metáforas e fincada na realidade contextual de sua época. O desenvolvimento do artigo está dividido em dois momentos. No primeiro, situamos brevemente o problema da escrita kantiana e sua relação com a filosofia popular. Em seguida, serão apresentadas certas passagens da Antropologia com intuito de ilustrar uma forma expressiva empregada pelo filósofo que difere do seu estilo redacional usado com frequência nas obras de seu projeto crítico. Em Liberdade: base inabalável do agir na moral kantiana, Cacilda Bonfim objetiva exortar a reflexão acerca da filosofia
kantiana, a partir da compreensão de que toda e qualquer ação moral manifesta o conceito de liberdade como princípio basilar. O arcabouço teórico fundamenta-se não apenas na Crítica da Razão Prática, mas também na terceira antinomia da Crítica da Razão Pura, que versa sobre liberdade, estabelecendo uma distinção entre o reino da natureza e o reino da ética. No intuito de compreender a ética impura kantiana, Itanielson Sampaio Coqueiro, no último ensaio da seção, Simpatia, afetos e paixões: ou da impossibilidade de uma ética impura em Kant, discute a plausibilidade da tese de uma ética impura na teoria moral de Kant, localizada nos textos críticos da década de 1790. O problema investigado é a garantia da aplicabilidade dos princípios e do fundamento moral deontológico ao mundo humano, pois, caso contrário, a ética de Kant deve ser vista como válida somente para anjos e santos. É a necessidade de conciliação das posições de Kant, aparentemente contraditórias, postas nos textos escritos pelo filósofo ao longo do chamado período crítico, e que podem assim ser sintetizadas na seguinte estrutura dialética: tese: a moral só pode conter princípios puros a priori (1780); antítese: há o dever moral de se cultivar sentimentos como a simpatia (1790), que justifica o referido problema. Em síntese, analisa-se a relação moralidade, sentimento e dever na ética de Kant, onde se sustenta, argumentativamente, que apesar de Kant tratar, nos textos da década de 1790, a simpatia e elevá-la acima de um simples afeto, ele não dá aos sentimentos a condição de decidirem sobre a fundamentação de uma ação moral.
Na terceira seção, são quatorze ensaios que abordam as ricas possibilidades de diálogos Rousseau e Kant, Rousseau e outros autores, Kant e outros autores. Nos diálogos entre Rousseau e Kant, Zilmara de Jesus Viana de Carvalho, apresenta a concepção rousseauísta e a concepção kantiana de religião natural, buscando demonstrar suas aproximações e diferenças em Religião natural e autonomia em Rousseau e Kant: aproximações e diferenças. Na Profissão de fé do vigário saboiano, Rousseau apresenta uma religião fundada no exame da consciência e atestada pelo livro da natureza, que reivindica a escuta da voz interior, que não equivaleria à voz da razão, mas
do sentimento. Kant, por sua vez, afirma na Religião nos limites da simples razão, que a religião natural é aquela em que se sabe que algo é dever antes deste ser conhecido como mandamento, tratando-se de uma religião racional da qual todas as outras religiões devem conter certos princípios, devendo esta, como pedra de toque, ser consultada. Em ambos, resguardadas as distinções, há tanto uma defesa de uma religião esclarecida, professada sem o prejuízo da autonomia, quanto uma crítica feita à religião histórica e, nessa medida, à autoridade dos dogmas, a superstição e à obediência cega aos sacerdotes, acusados de usar a religião como subterfúgio para dominação, ao invés de para iluminação, afastando a religião de seu verdadeiro fim. Há também, o texto do conferencista estrangeiro, Karlfriedrich Herb, intitulado, Como um aluno salva seu mestre. A leitura de Kant do Contrato Social, em que começa por apresentar a célebre frase de Kant, “Rousseau trouxe-me para o caminho correto”, portanto, declarando-se um discípulo de Rousseau. De fato, a teoria kantiana do contrato social traz a assinatura do pensador de Genebra. A relação entre Kant e Rousseau é, todavia, muito mais complexa e sutil. Não seria, antes, mais apropriado aplicar o conceito de trazer para o caminho correto à leitura que o aluno Kant faz de seu mestre? Assim, o autor objetiva mostrar como Kant resolve as aporias do Contrato Social enquanto empreende uma interpretação ascética do ideal contratual. Os esforços discretos de Kant para trazer Rousseau para o caminho correto tem uma consequência fundamental: a transformação da “grande e inútil ciência” de Rousseau em uma produtiva doutrina jurídica que poderá contribuir decididamente para a republicanização do planeta. Outra conferência internacional importante, foi a de Custódia Alexandra Almeida Martins, em Para (re)ler Rousseau e Kant no Século XXI, a autora relembra a questão lançada em 1750 pela Academia de Dijon, permanece; a saber: “se o restabelecimento das ciências e das artes contribui para aperfeiçoar os costumes”. Esta questão, aparentemente, tão académica e situada cronologicamente no século XVIII, torna-se muito mais relevante para o pensamento filosófico-educacional atual na medida que encerra em si dois eixos de reflexão que possibilitam manter um diálogo vivo entre os pensadores desta época e os seus leitores - nós - de qualquer tempo cronológico futuro. Um desses eixos, relativo ao conteúdo, é aquele a que Rousseau designou de “felicidade do gênero humano”; o outro eixo, relativo à forma, é aquele que designaremos transparência do dizer, por isso Rousseau avisa “Não se deve escrever para tais leitores [pessoas que estão em moda], quando se quer viver mais além de seu século”. Também Kant entende ser crucial pensar a existência humana em conformidade com o aperfeiçoar dos costumes destacando a educação como elemento essencial a esse processo. É precisamente a ideia de continuidade expressa na afirmação anterior que
nos impele a (Re)ler os dois autores e perceber que eles nos deixaram um desafio de dar seguimento à grande obra da natureza: o autoconhecimento da existência individual do homem. Acerca de la felicidad: consideraciones sobre la sensibilidad, la razón y lo público, conferência internacional de Vera Waksman, abordou a questão da felicidade, pois é um tema recorrente na filosofia ético-política da modernidade e é uma preocupação fundamental na filosofia de Rousseau tanto quanto na de Kant. Embora ambas as abordagens se diferenciem em pontos centrais, o objetivo desta exposição é estabelecer um diálogo entre os dois autores sobre essa questão. O significado de felicidade na proposta ética de cada autor é, portanto, examinado, para mostrar o lugar da sensibilidade e da razão, bem como o alcance empírico ou metafísico da noção. Em um segundo momento, analisa-se o lugar da felicidade no plano político e social e o significado da felicidade na esfera pública. A valorização da felicidade como critério público-político lança luz sobre a abordagem política de cada autor, sobre sua inscrição na tradição política moderna e sobre as diferenças que se opõem a eles. Wilame Gomes de Abreu, aborda A questão das dimensões da liberdade na filosofia política de Rousseau e Kant, analisa as dimensões da liberdade na filosofia política cujo objeto compreende as formulações de Rousseau e Kant, pois eles não só detectam o ser de liberdade como constituinte da civilização, mas também alcançam a impossibilidade de rebaixamento da humanidade à animalidade; enquanto Rousseau é quem desvela a tensão presente na civilização à degeneração e ao aprisionamento, Kant é quem aceita e universaliza a impossibilidade de uma renúncia da autopreservação quando discerne o progresso. Já, o texto Razão e Moralidade em Kant e Rousseau, de Agostinho F. Meirelles, pretende elucidar os desdobramentos da filosofia moral de Rousseau, operados por Kant no âmbito da Razão prática pura (primeira Crítica, 1781-7). Embora, a presença das ideias de Rousseau, que entusiasmaram Kant, não ocorra sob a perspectiva analítica do Criticismo manifesto na Crítica da razão prática (segunda Crítica, 1788), os problemas suscitados pela obra do filósofo francês, revelam-se na maneira como Kant, pensará a práxis do ser racional finito, a qual ganhará crescente envergadura a partir dos escritos dedicados à razão em seu uso prático puro.
Nos diálogos entre Rousseau e outros autores, Evaldo Becker abre a possibilidade com o texto As agruras da guerra e a utópica busca da paz no mundo: um olhar sobre os projetos de paz de Saint-Pierre, Rousseau e Kant, inicia com a frase “é possível aos homens viver em paz”, esta afirmação, exposta pelo Abade de Saint-Pierre já o início de seu Projeto para tornar perpétua a paz na Europa, publicado pela primeira vez em 1713, nos mostra a posição francamente pacifista do autor e um grande otimismo em relação à possibilidade de alcançar a paz perpétua no ambiente internacional europeu.
O Projeto de paz perpétua de Saint-Pierre será lido, resumido e criticado por Rousseau, que havia ficado como depositário dos papéis do autor, com vistas à melhor difusão de suas nobres ideias pacifistas. Ao que tudo indica, Kant, por sua vez, teria tido acesso ao Resumo do Projeto de paz perpétua, escrito por Rousseau e publicado em 1761, mas não teria tido acesso ao julgamento crítico redigido pelo cidadão de Genebra, na mesma época, mas publicado somente em 1782. Tais circunstâncias teriam incidido no desenvolvimento de uma percepção equivocada de Kant no que concerne à uma pretensa unanimidade de ideias pacifistas entre Rousseau e Saint-Pierre. Kant, por sua vez, retoma esta antiga ideia de Paz perpétua e a desenvolve de forma ampliada, no sentido de transcender os limites da Europa, e ganhar uma pretensão mundial. Com Vital Alves, o diálogo é proporcionado entre Rousseau e Montesquieu: republicanismo e democracia, explica no texto que as gêneses do republicanismo se encontram diretamente ligadas a Roma Antiga e à figura de Cícero, pensador romano que não apenas apresenta uma peremptória definição de república como alicerça os fundamentos primordiais do republicanismo. Pode-se igualmente afirmar que ao longo da história da filosofia o republicanismo se apresentou em diversas matrizes. No século XVIII, por exemplo, a matriz francesa do republicanismo adquire evidência principalmente mediante dois expoentes ilustres: Montesquieu e Rousseau. Embora Montesquieu e Rousseau tratem das formas tradicionais de governo (monarquia, aristocracia e democracia) em suas análises políticas, seguramente desperta a nossa atenção a posição que a “democracia” ocupa nas abordagens republicanas desses pensadores. Considerando a posição da “democracia” nos republicanismos de Montesquieu e Rousseau, o presente texto tem como objetivo principal analisar como a “democracia” se manifesta sob as perspectivas de Montesquieu e Rousseau, buscando, em primeiro lugar, compreender seus principais fundamentos e, em segundo, analisar suas dificuldades, perscrutando suas semelhanças e as diferenças. O texto de Barbara Rodrigues Barbosa, é significativamente original, pois trata da temática A natureza dos sexos e a educação feminina no século XVIII. Similaridades entre os Dicursos de Jean-Jacques Rousseau e A.L. Thomas segundo Elisabeth Badinter. A autora parte da leitura do livro Qu’est-ce qu’une Femme? Nessa obra, Badinter reúne o Essai sur le caracteres, les moeurs et l’espirit des femmes dans les différents siècles (1772), discussão feita por A.L Thomas para responder à questão sobre o que seja uma mulher, e as objeções postas por Diderot e Madame d’Epinay acerca daquele ensaio. A discussão feita na obra é apresentada em três momentos e a proposta desse artigo é, portanto, analisar a segunda parte do livro de Badinter, intitulado La nature des sexes, onde Thomas faz uma análise sobre as constituições dos dois sexos, do objetivo da natureza ao formá-los diferentes e sobre a
educação a qual eles são suscetíveis, destacando a similaridades do texto desse autor com Émilie ou de l’éducation (1762) de Jean-Jacques Rousseau. O último texto dos diálogos entre Rousseau e outros autores é o de Marco Rampazzo Bazzan, em que trata das Anotações sobre o impensado de Rubens Rodrigues Torres Filho em sua leitura da crítica de Fichte a Rousseau de 1794. Numa nota aguda e instigante sobre Fichte leitor, Rubens Rodrigues Torres Filho sustenta que a crítica fichteana a Rousseau de 1794 “exerce algo que poderia aparecer como análise do impensado de Rousseau” (1970, p. 19, grifo meu). Com esta observação o comentador brasileiro destaca o fato de que em 1794 Fichte não se limitaria a “um simples confronto de teses”, nem sequer à elaboração de “uma espécie de combinatória lógica das opiniões possíveis” da qual essa tese seria uma ilustração exemplar, senão que ele pretenderia ir “mais longe e mais a fundo” dirigindo-se “para além da teoria, à decisão teórica de que esta se originou, de tal forma que esse impensado, ao nível do pensado que o pressupõe, não será impensado por mero acaso, mas necessariamente”, destacando a cumplicidade que Fichte parece desenvolver com Rousseau.
Por fim, os textos que desenvolvem diálogos entre Kant e outros autores, inicia com a temática da Metafísica em perspectiva: de Kant a Viveiros de Castro, de Daniel Schiochett que destaca o que fundamente metafisicamente o conhecimento é a existência da substância que sustenta os demais atributos que aparecem nos juízos. Para Kant, por outro lado, conhecer significa representar não mais a coisa em si, mas o fenômeno como aparece na sensibilidade para o entendimento. O que funda metafisicamente o conhecimento não é a substância, mas a estrutura transcendental do sujeito. Para os primeiros, o conhecimento é metafisicamente possível. Para Kant, ele é metafisicamente problemático. Estes são os dois modos mais gerais de fundação metafísica do conhecimento: ou o conhecimento é fundado na coisa e ela deve ser, de algum modo acessível para nós apesar da sensibilidade, ou o conhecimento é fundado no sujeito cuja sensibilidade “contamina” a coisa a conhecida. Nossa proposta é apresentar uma perspectiva que assume a possibilidade de acesso à coisa mesma, como defendiam os antigos, sem abdicar do papel do sujeito (ou dos sujeitos, para sermos mais precisos) na fundação metafísica do conhecimento. O antropólogo Viveiros de Castro, na obra “Metafísicas canibais” apresenta o perspectivismo como estratégia teórica para compreender a (ou parte da) ontologia ameríndia que acreditamos colocar em perspectiva a própria metafísica ocidental. Já os autores Nertan Dias Silva Maia, Ariane Santos Ribeiro Melonio e Danielton Campos Melonio, abordam A beleza como intermediária da verdade: o que pensa Schiller sobre a exposição filosófica, com o objetivo de apresentar a concepção de Friedrich Schiller (1759-1805) acerca dos modos de exposição
filosófica e bela, em contraponto com as formas de exposição abstrata de Kant e de Fichte, tomando como principais referências os trabalhos de Schiller Sobre a educação estética do homem numa série de cartas (Über die ästhetische Erziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen) e “Sobre os limites necessários no uso de formas belas, em particular na exposição de verdades filosóficas” (Von den notwendigen Grenzen des Schönen besonders im Vortrag philosophischer Wahrheiten). O texto que encerra a seção dos diálogos é o de Luís Inácio Oliveira Costa, Experiência e modernidade: sobre um tema kantiano em Walter Benjamin, onde apresenta o ensaio de juventude, sobre o programa da filosofia por vir, em que Walter Benjamin se preocupa com o que ele considera um uso restritivo do conceito de experiência do Kant da Crítica da razão pura. Para Benjamin, o conceito de experiência é aí reduzido a um problema de teoria do conhecimento segundo o modelo de ciência da física newtoniana. A partir dessa crítica a Kant, ele pretende alargar a própria noção de experiência. Essa discussão em torno da experiência ganha novo contorno e novo vigor nos ensaios críticos de Benjamin sobre a modernidade. O presente trabalho pretende expor brevemente como o tema kantiano da experiência é tratado criticamente naquele escrito de juventude do crítico, abrindo caminho para o posterior diagnóstico de uma crise da experiência na modernidade.
Como organizadores deste livro, expressamos o nosso agradecimento aos autores pela contribuição da diversidade dos temas e abordagens a respeito desses filósofos. Da mesma forma, agradecemos à EDUFMA, à CAPES, pela utilização do recurso PROAP que proporcionou a publicação deste livro em forma de coletânea (impresso), com o financiamento da CAPES (Finance code 001), CHAMADA INTERNA Auxílio Financeiro ao Pesquisador (AFP), PPGCult/UFMA - Nº 02/2022, do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão, em conformidade com a Portaria Nº 012/2020 – AGEUFMA/PPGT de 16 de setembro de 2020 e com a Norma Interna 002/2020 – PPGCult/UFMA, que tanto viabilizou para que a publicação saísse, e a todos que contribuíram de uma forma ou de outra para a execução desse projeto.
Boas leituras!
Luciano da Silva Façanha
Zilmara de Jesus Viana de Carvalho
Autores e Organizadores
São Luís – Maranhão