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Por causa do pior

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A idéia de se dirigir ao pior conta com pouca aceitação . É com essa frase de impacto que Mauro Mendes Dias, introduz este belo livro, fruto de um seminário conjunto proferido por ele e Dominique Fingermann. O pior talvez não conte mesmo com "muita aceitação" e a proposta seja de fato "atrevida" come afirma Fingermann, mas tratar do pior não só é fiel à ética da psicanálise, como esse "atrevimento" é mais do que bem-vindo na medida em que, convoca o analista a ler o político e não permite confundir silêncio do analista com a sua omissão em relação acontecimentos do mundo.

O legado que nos deixou Freud e toda sua obra atesta isto, uma vez que muitos dos avanços Freudianos foram respostas às injunções da História, que Ihe permitiram testar a operatividade de seus conceitos psicanalíticos. O descentramento efetuado pela psicanálise, da ordem do mundo para a realidade psíquica, implica um deslocamento do ser no mundo para o ser do desejo e coloca a questão da implicação do sujeito no político, que Lacan aprofundou em sua articulação da psicanálise em intenção com a psicanálise em extensão.

Por causa do pior , se inscreve nessa linhagem e convoca os analistas a assumirem a responsabilidade que Ihes cabe face aos problemas que não cessam de surgir na civilização, exacerbando o mal-estar para o qual Freud nos alertara. O século XX foi o dos totalitarismos que se caracterizaram pela tentação do bem, representando um acontecimento maior, coletivo e individual, no homem deixou de ser homem para si mesmo e para o outro. Dos conflitos que marcaram esse século, herdamos um ódio irredutível e insolúvel que não cessa de se repetir, a ponto de começarmos o atual à mercê de reivindicações identitárias e etnocêntricas de extrema violência, onde o ódio dirigido ao outro pretende ir além da morte, querendo abolir a própria noção de humano, fazendo do humano "outra coisa", como tão bem soube mostrar Blanchot, um dos "passadores do pior" trabalhados aqui.

Neste início do século XXI o político vem sendo, cada vez mais parasitado pelo religioso, dando razão a Lacan que em sua reavaliação do discurso da ciência, nos alertou para o fato de que, se a religião viesse a triunfar numa aliança com a ciência, não haveria como evitar o pior, esse pior que dá nome ao livro, e cuja mais perfeita tradução é o terrorismo em sua forma atual, com seus homens bombas parecendo gozar da própria morte.

Este livro, pelos temas abordados, é um convite ao pensamento, cumprindo desse modo o que, a meu ver, talvez seja a maior função da psicanálise dilatar os limites do pensável autorizado num determinado momento numa determinada sociedade, fazendo surgir pensamento lá onde ele antes não existia. Espero que seus autores continuem em sua ousadia.

Caterina Koltai

Joaquim Brasil Fontes publicou, entre outros textos, Poética dos fragmentos (Belém: I.A.P.), A musa adolescente (São Paulo: Iluminuras), As obrigatórias metáforas (São Paulo: Iluminuras), O livro dos simulacros (Florianópolis: Clavicórdio) e Eros, tecelão de mitos (São Paulo: Iluminuras).

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